NEUROCIDADE
Cidade: penso, vezes ainda penso,
e reinvento tudo, coloco seivas e inauguro plantas
e me proponho o ventre livre de todos os flagelos.
Mulher: não explico, apenas justifico.
Dia: o it, o id, o clique.
Tempo: quinhentos anos de falta de perspectiva.
Nua: aumentada em mim, eu me escondo no silêncio,
estranho silêncio de investigar, contornar, aquecer, agüar.
Lembrança: precisa-se de poetas,
tratar na rua das Laranjeiras, onde nascemos.
Tempo: outubrismo.
Insânia: vezes apresento movimentos em roda dentada.
Inscrição: o açúcar é doce,
mas o sexo não vai estragar seus dentes.
Noite: todas as outras noites de insurreição
que a idade motivou.
Mulher: rastro epidérmico, umectante.
Memória: um olho de boi, suplicante, antes da guilhotina.
Criança: e a verdade absoluta de que não há acaso.
Lágrima: um rio, um Sena, um São Francisco.
Nua: a mulher galopando por sobre fibras desatinadas.
Distância: desangústia.
Paixão: dispnéia de passagem para outro tempo físico.
Tempo: milhões de r.p.m.
Homem: prognose.
Fantasia: descolorir o sorriso da Madona.
Fantasia: sair correndo céu, desconectada nuvem.
Nua: leia-se com calma.
Laudo: maria-qualquer-coisa, geração espontânea,mão-de-obra não qualificada, batizada pelo fogo do inferno, sem residência fixa, encontrada morta no beco essencial,à disposição por três dias no principal necrotério da cidade, após o que será enterrada como indigente.
Cidade: uma grande caverna mal cheirosa,de onde escorre o mel dos tolos, democraticamente tão bastardos.
Metáfora: abrir as pernas e ser clássica.
Mulher: libido versus interação social, conflito de satisfação.
Associação livre: parece uma bomba de encher bicicleta e é também um caule audaz sustentando a flor.
Local: nenhum.
Dia: o it, o id, o chique.
Cabeça: não tem registro.
Referência: bóia zero, placas fosforescentes, as setas, as metas, o meio-termo – atenção, cuidado, não pise na lama – a exceção, a consciência, horário de expediente, temos o maior público enchendo o teatro, lotação esgotada, no Brasil sempre cabe mais um, explode IBGE.
Objetivo: mudar sempre de estratégia.
Pesquisa: a lua perde a velocidade e ameaça cair.
Música: a valsa do imperador, adaptada.
Mulher: começa a flutuar, levemente, veste-se de amarelo, faz poemas noturnos, é sensual, é mórbida, critica a história e vive.
Tempo: agora, mais uma vez em sentido horário. Merda, a vida é bela nos equinócios!
Cabeça: de jure constituendo.
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MONARQUIA ABSOLUTA
Dentro da lógica
Há um relógio
Que marca as mesmas horas.
Dentro das horas
Há um reilógico
Que diz pra gente fazer assim, assim.
O rei morreu.
Viva o outro rei
Que diz pra gente fazer assim, assim.
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FENÔMENO
Nascida
e tangida à ira
num ano da década dos sessenta.
Crescida
e tornada cínica
num tempo de marcha cívica.
em frente à lanchonete muita moda na roda
que geração mais bonita
um olé de hambúrgueres aos mais valentes
os james dean ressuscitados pelas motos
que descrevem as direções convergentes
as cabeças são todas frutas saborosas embutidas nos sorvetes
ice-creams antárticos que povoam os sonhos ácidos
pode-se ver o sangue açucarado nas têmporas agitadas
em rostos nacarados os olhares
apaixonados pelas telas panorâmicas
que o visual é superestimado pelos rebanhos multivinculados
o que os olhos não vêem o coração não sente
que o amor é relíquia de avós falecidas
que a mocinha aprisionou num broche
e a inteligência arrebita o nariz nas olimpíadas
yesterday something lhes foi dita
talvez pra desmontarem o cavalo de tróia
e eu não entender nada
porque a casta fechou-se
e o segredo isola o vírus da consciência.
Em frente à lanchonete de neón gritante eu sou como eles
eu sou eles, meus filhos, netos
não pode ser apenas uma questão de ser, por Sartre!
eu preciso de um código, um sinal
– pode ser com o dedão do pé
– eu preciso entender e não lhes fazer mal
preciso da linguagem mágica, da poesia-beleza
do amor pós-guerra
das mil e uma noites dos quinze anos de idade
eu preciso aprender as notícias e a desbotar os jeans.
eu sou como eles e tento:
gosto de waffles com geléia geral
gosto de saber do que vocês gostam
e também acho os eixos da vida
macabramente imponentes.
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VIDA EMOCIONAL
Sou eu
imitada num espelho que acusa
batom e púrpura liquefeitos em emoções
checando a lágrima infalível
expondo o ardil de fabricar manchas violáceas
com persuasão
(face mais usual, referendada no divã do analista
que me quis transacionada).
Às vezes sou eu
e um impossível tiro na nuca
– o livre-arbítrio de quem já está nascida.
Nem sempre sou eu
quando reflexo do eu coletivo
ou quando reflito sobre o teu motivo
– que há a inquisição
que eu detesto e me apavora.
Mas quase sempre sou eu
a vacina da família nascida nos lençóis da bahia
parida noutra baía em tempo de depressão
– pois era pra ser deprimida e conter a rebelião.
Que nunca fui eu
a pedra monolítica fatídica, esta não.
Fingiram-me amestrada, égua de pelo macio
comum a todos os campos de ação
que em tudo há conveniência.
E fui eu que roubei-os a todos
da comoção à razão
quando tive na vida o primeiro cio de paixão.
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