Poemas publicados IV

OUTUBRO, 10.º  MÊS DOS CALENDÁRIOS JULIANO E GREGORIANO

Uma insônia brava

e o que me assombra o coração é o pânico

da noite nascer noutro dia igual

marcial

eu na mira da lei.

Mais uma noite chegou fingindo ser meiga.

Não consigo dormir, fazer cessar o espetáculo

o grande filme dos grandes diretores.

Resta ler – Camus – e como dói.

Ou afagar o meu amor que eu tenho

e convertê-lo num delito.

Ah, o meu amor, tão sóbrio, tão crente

tão aproveitando as horas tardias pra ter razão

tão mudo que se tornou

secreto como segredo de Estado.

Mas não, não basta escrever, nem pensar

nem amar escondido.

É preciso que um grito saia de gargantas lubrificadas

e anuncie a insônia e as causas da insônia.

O meu amor quer ouvir?

O meu amor dorme e se preserva.

As crianças dormem e se alienam.

A cidade possui seus próprios gritos de angústia

sons tão normais.

O grito que penso é mais que isso:

é o vagido do nascimento

amplificado na hora da morte.

Abro as janelas e as portas

fecho as janelas e as portas.

Sou como todas as casas

cheias de bricabraques e recordações

em suas noites de insônia

em sua fotografias

em sua arrumação.

Sou uma casa dormindo em uma pessoa acordada.

O sonho talvez criasse alguma coisa de formidável.

Mas estou acordada, como que num castigo

imbuída do presente e de largas fomes.

Há um órgão reclamando sua função, liberdade:

preciso dormir e demora amanhecer.

A noite que finge ser meiga é escura e cúmplice

– carrego infindas madrugadas e vigílias, liberdade

e sonho de olhos abertos

conceber filhos absolvidos.

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LIBRA

Compro flores pra mim, rosas.

Brancas, pálidas, indecisas.

Ou vermelhas, abertas, despudoradas?

Mas que enfeitem a carne viva,

os ossos

os pelos

o tecido estriado.

Aniversario.

Focalizo meu espaço interno

o útero vazio

e vejo que sou meu grande tédio.

(Uma cabeça que não enlouquece, ó flor,

não faz sentido.)

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ENSAIOS E ERROS

Um amor indigente que eu te fazia

inventado por prismas

animado por versos que as imagens construíam

banhado escondido por lágrimas que não doíam

adoçado por cortinas de censura inútil

que mesmo sem elas havia motivo.

Percorrido o espaço até achar a lacuna

guardado no templo por mais tempo possível

implorado no escuro que ainda mais querido

revelado sem erro no apertado instante

intimado

ritmado

compulsivo.

Descansado no afago de tudo estar bem

aninhado no beijo que pertence à paz

inquirido do tempo sobre o que mais havia

repetido no tempo o que de mais acontecia

apossado do termo e do compromisso.

Levado a cabo por sutis manobras

e de poesia afoito por não mais  existir

que no fundo para amar assim

queria era morrer sem arrependimento.

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KHAJURAO

Ah, tu me matas, tu me consolas.

És um resto de homem, és um homem estrangeiro

és um homem rasteiro nos brancos campos de lá

mais-que-perfeito igarapé deixando o mar.

Ah, eu te mato, eu me consolo

e te proponho nada

cuspindo venosos beijos nas letras

ao rés do chão

selando a lembrança somática por avião.

Eu te mato e me desidrato de ti

deixando o cinema em Hiroshima

um poema

que nem Khajurao, meu amor.

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