MARIA DOS PRAZERES
Cada vez que me possuem
Cada vez fico mais pura
Mais casta
Mais virgem
Cada vez que fico nua
Cada vez sou mais louvada
Beijada
Aleluia
Cada vez que eu me entrego
Cada vez eu sou mais santa
Mais Salve
Rainha
Cada vez que estou parindo
Cada vez eu sou mais máter
Mais Ave
Maria.
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MEMÓRIA AFETIVA
para Lúcia de Aquário
Nós, que começamos ninfetas colonizadas.
Com a paixão que precede a reflexão nos juntamos
em busca dos seres das lendas, pois que tínhamos a crença
e a carne para o adverso.
Nós que tínhamos o mesmo ciclo de 28 dias
o mesmo pique que enfatiza as virgens
éramos as perdedoras que adquiriam existencialismo.
Nós que debulhamos rosários
choramos martinis
consertamos antidistônicos
afrouxamos a sexualidade
ovulamos, pecamos.
Nós, que experimentamos.
O primeiro luís
e o vestido branco para sempre
no baú tão mútuo de recordações e antíteses
– explicamos que éramos de um signo do ar –
por isso as coincidências.
E comprovamos que não existiam andrômedas
por isso os contrários.
E os cometas, as falsetas.
Jogamos I-Ching, decalcamos borboletas raras em nossos rostos fabricamos caleidoscópios de mentira
fomos parceiras dos órfãos das chocadeiras.
Nos socializamos como excepcionais e sobreveio a arte:
onde antes uma parede nua teus primeiros desenhos certeiros
e meus versos decididamente partidários.
E então veio a epopéia
Marte, Saturno, Plutão
com sua algazarra de guerra surda e muda
sua pose de senhor dos cachorros
seus ditames, certames, reclames, toques de recolher.
E os amores fugiram e deixaram recados
e ninguém molhou as plantas que cresciam com raiva.
Fugiram todos da lacrimogenia
e ficou de ser solitário cada coração no peito
aguardando amor de salvação,
a barriga repleta de filhos alheios
e queridos e temidos e abortados na construção.
Era preciso neutralizar nossos sonhos
(uma questão de método, soubemos depois)
decorar todos os nomes da inevitável terapia
engolir as panacéias
antes que nos enjaulassem como dorotéias
por sonhos mal redigidos.
Que saída!
Entre a vesânia e o pudor
entre a licença e o voto vencido
os astros contra
Deus contra
entre a cruz e a cruz
entre um amor mal dormido e um motim popular
entre o ácido e o doce
pela moda feminina de cor azul
ou o porte de cavalo de corrida?
Demos um tempo antes do próximo martini
– um último amor que fugiu pela janela
um caso que não vingou.
Mas um equilíbrio muito particular se deu
entre o mercúrio cromo e ferida.
…
Hoje, enquanto você nos desenha
– figuras de estilo, marcadas em crayon e nanquim
múltiplas mulheres de engenharia sutil
– escrevo em linhas tortas nossas humanidades
que a espoliação é o trivial simples que já doeu
e que por vivência ou intimidade seguimos
com a bagagem toda
rimando tudo, colorindo tudo, repetindo tudo
como já estava previsto.
Que aí no Leme o mar é teu
que eu te dou e escrevo e assino embaixo.
Que a Esplanada é minha, pasto dos meus carneiros.
Que reviver se escreve de trás para diante.
Que as lágrimas são uma constante das variáveis.
Que tanto faz definir quem é poeta, quem é pintor
queremos é apanhar vento e modificar o vento.
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FEMININO INDEFINIDO SINGULAR
quisera ser a mulher amada
que faz amor que faz sofrer
que é sempre causa e se faz viver
que é vida e tempo e se faz morrer
que é sempre medo e se faz temer
que é pura e casta e se faz pecar
que é forte e bela e se faz chorar
que é carne e osso e se faz desejar
que é ré culpada e se faz perdoar
que tem pudor e se faz despir
que é mulher e se faz fingir
que é lua e noite e se faz dormir
que pensando em ficar se faz partir
que é divina e se faz tangível
que sendo virgem se faz possível
que é à-toa e se faz difícil
que é mentirosa mas se faz crível.
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AMOR (II)
De repente
despiu-se e insistiu no rito
varou a noite e gozou
num óvulo que não menstruou.
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AMOR (III)
Meu provável sorriso
do beco
do sarro
da fome
eu já te amo.
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AMOR (IV)
Não delira.
Apenas observa a realidade
do coração plastificado.
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AMOR (V)
E o marido
caiu no ostracismo.
Nesse dia não houve abalo sísmico
nem repicaram sinos
mas passou um mirage rompendo a barreira do som.
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