Poemas Dispersos III

SUICÍDIO

Quer sangrar, eu ensino.

Esteja só.

Tranque a porta, feche a janela e desligue o telefone.

Não pegue qualquer vaso sangüíneo,

escolha a artéria principal, aquela

cheia de você,

teu rio prisioneiro.

Olhe no espelho o que há de desespero

e abra a comporta com um canivete suíço,

infalível.

Esqueça as compressas, as toalhas,

os rolos de esparadrapo.

Não diga nada, não se despeça.

Mate-se, simplesmente.

Quando acordar dê graças à vida.

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VALIUM

 

É o sono

das mulheres que não atormentam seus maridos

nem necessitam amantes

É o sono que trata sonhos e fantasias

permitindo alguma baba no travesseiro

Um sono no garrote

no braço apertado

na veia frágil

no sangue fervente

um stop na fala lábil

Um sono incolor

um romance científico

um coma na emoção

um sono no esquecimento

bêbado veneno

morrendo uma noite de dormir

de acordo com o regulamento

Um sono que não bate à máquina depois das dez

que não ama depois das dez

que dá sossego aos que nos amam tanto

Um sono de amor com valium

e depois café com valium

almoço, jantar e eternidade com valium

em generosos miligramas.

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CINEMA

 

Eu sei da minha gostosura,

da minha ternura

do meu sexo.

Mas não sou um moranguinho, bem.

Não sou um batonzinho bem aplicado.

Minha boca é mordaz

de tanto frequentar personagens.

Mas a minha delicadeza

é feita de chuva na sessão das quatro

e de tempestade na sessão das dez.

No cinema vazio

eu sou um celulóide de Jeanne Moreau.

há algo no meu rosto,

na solidão do meu rosto:

a alegria triste do seu rosto.

E há um homem

entre as pernas de Jeanne Moreau

na vagina de Jeanne Moreau

amando Jeanne Moreau

enquanto eu me dispo e me assisto

no papel de Jeanne Moreau.

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SINA

Escolher um caderninho de capa preta

que caiba na bolsa

e suporte o peso das palavras esferográficas

quando viver é impreciso

e o inferno são os outros já dizia Sartre.

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