SUICÍDIO
Quer sangrar, eu ensino.
Esteja só.
Tranque a porta, feche a janela e desligue o telefone.
Não pegue qualquer vaso sangüíneo,
escolha a artéria principal, aquela
cheia de você,
teu rio prisioneiro.
Olhe no espelho o que há de desespero
e abra a comporta com um canivete suíço,
infalível.
Esqueça as compressas, as toalhas,
os rolos de esparadrapo.
Não diga nada, não se despeça.
Mate-se, simplesmente.
Quando acordar dê graças à vida.
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VALIUM
É o sono
das mulheres que não atormentam seus maridos
nem necessitam amantes
É o sono que trata sonhos e fantasias
permitindo alguma baba no travesseiro
Um sono no garrote
no braço apertado
na veia frágil
no sangue fervente
um stop na fala lábil
Um sono incolor
um romance científico
um coma na emoção
um sono no esquecimento
bêbado veneno
morrendo uma noite de dormir
de acordo com o regulamento
Um sono que não bate à máquina depois das dez
que não ama depois das dez
que dá sossego aos que nos amam tanto
Um sono de amor com valium
e depois café com valium
almoço, jantar e eternidade com valium
em generosos miligramas.
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CINEMA
Eu sei da minha gostosura,
da minha ternura
do meu sexo.
Mas não sou um moranguinho, bem.
Não sou um batonzinho bem aplicado.
Minha boca é mordaz
de tanto frequentar personagens.
Mas a minha delicadeza
é feita de chuva na sessão das quatro
e de tempestade na sessão das dez.
No cinema vazio
eu sou um celulóide de Jeanne Moreau.
há algo no meu rosto,
na solidão do meu rosto:
a alegria triste do seu rosto.
E há um homem
entre as pernas de Jeanne Moreau
na vagina de Jeanne Moreau
amando Jeanne Moreau
enquanto eu me dispo e me assisto
no papel de Jeanne Moreau.
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SINA
Escolher um caderninho de capa preta
que caiba na bolsa
e suporte o peso das palavras esferográficas
quando viver é impreciso
e o inferno são os outros já dizia Sartre.
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