A poesia passou por aqui e disse que é preciso fazer arte, urgentemente, antes que a esfera arrebente. Seja a arte de pintar levianas cores em caras pálidas, escrever um verso prematuro ou oferecer um concerto de flauta, oboé, clarinete e fagote na praça que jamais será um forte.
É hora de retirar sonetos sonolentos do baú das reticências para um recital ao ar livre, com pantomima e violino, quando do alvorecer em todos os bares e em todos os bêbados.
É hora de usar as atraentes máscaras que tornam as alcovas mais convidativas, para que as peripécias dos amantes seja a grande epopéia que todo artista fará renascer em milhares de folhetins necessários neste tempo acontecido.
Uma ou outra ilusão é bem-vinda e todo amor é uma vitória proibida e estimulada como se fosse em Veneza, invadido desta crise como que de festa brava.
Que lápis, papel, mármore ou argila, voz e mímica se transformem em crise existencial outra vez e expurguem aqueles que vivem de dever a todos o tudo essencial – o pão, o batom, a água-forte.
Poetas convocados por merecimento tenham tempo para conceber poemas e amar às tontas, em noites de frio negativo, em verões insuportavelmente quentes e de lirismo ou denúncia façam as outras estações do ciclo.
Aos poetas pertence esta hora e a poesia os reclama, aos artistas pertence esta hora, a arte os conclama!
Sim, estamos em plena crise como que em pleno mar, os nervos estão aflitos, o coração sem repouso, mas sempre haverá quem escreva, quem cante, quem dance à revelia dos sentimentos de nada, dos pesos-pesados da potência que nos querem a espinha dorsal à mercê de um dólar.
Sempre haverá quem diga um verso numa roda de bar, sustentando com olhos revoltados os olhares ditadores que freqüentam as madrugadas.
Sempre haverá quem da História faça um romance épico, um capa-e-espada ou um clássico de amor com pacto de morte, ressuscitadas Anna Karenina e Ema Bovary. Será revisto e ampliado o tratado do Lobo da Estepe, provada a Divina Comédia, entendido o Ulisses como também Macunaíma. Alguém lerá Guerra e Paz.
Sempre haverá uma Paixão Segundo G.H e Um Homem sem Qualidades. Mais adiante retomaremos a leitura de Crime e Castigo e as bibliotecas não fecharão por nenhum tempo perdido. Nos sebos deixaremos os últimos centavos em troca de Grandes Esperanças.
Sempre haverá arte – por toda a dignidade humana! Sempre haverá quem tenha um exemplar do Fausto, quem recite aquele Poema em Linha Reta, quem ouça Summertime, quem dance o rock’n’ roll.
E, apesar da náusea e do nojo, sempre haverá a flor.
__________________