Mr. Postman

MR. POSTMAN

Enviei  urgentíssimo aquelas coisas para o destinatário do interior  que não eram somente coisas em papéis e livros e músicas pois junto mandei tantos votos de dias melhores e  felizes virão que  cheguei a pensar que ele  também correria urgente atrás do Mr. Postman de lá  pra mandar nem que fosse um simples cartão postal da praça da cidade com alguns sentimentos e beijos rabiscados para que eu tivesse essa bela surpresa num final da tarde quando  o Mr. Postman daqui tocaria a campainha de um jeito diferente, três vezes apressado, venha, moça, venha pegar logo a sua correspondência, hoje há algo especial pra você, mas que nada, ele me entrega a papelada de sempre, solidário na minha desesperança e é tão gente boa este Mr. Postman que até aprendeu algumas palavras em inglês só pra me dizer be cool ou have a nice day ou I’ll be back tomorrow  pois ele é um Mr. Postman de verdade, não gosta de entregar só multas e contas e impressos,  prefere as love letters, embora tenha me confidenciado que hoje em dia é raro ele entregar uma dessas (deve ser por causa do e-mail).

Claro que  não tenho essa  intimidade com os moços e moças da telefônica, mas penso na minha voz dizendo baby, isto é impulse e outras coisas que depois  se resumiram a uma fabulosa conta que a empresa friamente me cobrou em dobro por ter dito baby i luv u um milhão de vezes durante dezenas de horas – quanta falta de compreensão para com as pessoas que não falam de negócios e abóboras, mas é assim que a companhia enche a burra com o dinheiro da minha arte, mas também arte não é coisa que se faça, don’t try.

Então eu  guardei o destinatário dentro de uma pasta com zíper dentro de uma caixa dentro do armário, assim eu estaria a salvo e livre, ele longe dos olhos e à prova de som,  mortinho da silva, entregue às traças, a um mofo devastador que estragaria todo o armário. E eu  pensei que tudo era mesmo uma questão de ir para os quintos dos infernos pois não havia mais caminho para o interior e  já que eu não chorava eu bebia Santa Helena e ouvia as lábias desses outros como toda mulher deve saber ouvir e fingir que acredita pois os homens também querem acreditar nelas e acho que no fundo todos estão é viciados demais nesses games da última geração do planeta.

Mas o moço não fica quieto dentro da pasta com zíper dentro da caixa dentro do armário, as revanches não se completam, as armas são de papel e as palavras de açúcar cristal às vezes me acordam no meio da noite querendo meu baby enquanto a menininha canta lullaby  e a mocinha de franja mais comprida pergunta do you wanna dance? Oh, on the road, forever on the road, você sonha easy rider? But I will not see you in september!

E setembro veio  junto com a primavera e aqui esteve chovendo, e  ouvi Tom Waits cantando Rain Dogs e mais os ruídos estranhos de restos de fantasma vindos do armário,  assisti o vídeo de algum dos  últimos dos moicanos, comi sonhos de padaria, criei um cactus chamado cold silence, li o velho H. gritando come on, baby e escrevi mais baboseiras para salvar a humanidade, oh, give peace a chance, give love one more chance.

Closing the Windows, Mr. Postman ainda solidário nesse  tempo à-toa de blood money, insônias, voragens e viagens e  eu  não era a mulher mais maravilhosa deste mundo que amava um sujeito que como eu também amou aqueles caras e suas canções (mais cafona seria cantar eu te daria o céu meu bem e o meu amor também e depois rimar esse tempo à-toa com um final  “de boa”, essa expressão que talvez signifique que nos quintos dos infernos pode-se conviver com todos os diabos…)

Agora só penso em H. imprensando as mulheres contras os muros das ruelas de Paris, enternecendo-se com as prostitutas de Clichy, ganhando e perdendo dinheiro, dando e tomando amor, H. chorando como homem na presença e na ausência de uma mulher, H. não querendo nada com nada, H. dizendo apenas fuck off, baby. De coração.

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