Por que Maiakovski?

“Sou poeta. É justamente por isso que sou interessante.” (Maiakovski, Eu Mesmo).

Maiakovski foi  o primeiro poeta russo moderno a engajar política e ideologia à poesia. Despiu a arte poética para refazê-la na medida exigida pela linguagem comum de milhares de homens e mulheres trabalhadores, com seus assuntos diários – para Maiakovski, apaixonantes, tanto que os acolheu como “mandato social”, no seu entender condição sine qua non para o fazer poético.

Porém, por maior que seja esta a característica marcante da obra de  Maiakovski, é mais verdadeiro dizer que sua arte ia muito além da busca de soluções poéticas para os problemas do povo. Ele era um poeta não apenas diferente, mas original, um criador por excelência, inventor do futuro das idéias, hábil manipulador dos signos e das palavras. Desses instrumentos de trabalho fez sua oficina e desta saíram escritos e imagens que desafiaram um tempo implacável em que dominava a “mediocridade burguesa”. Usou de todas as formas e conteúdos para expressar seu mandato social – de levar à classe operária a palavra poética disposta em ritmo, imagem e grafia revolucionários.

Poemas como diamantes dos quais extraía versos duros e repartidos refletiam cada instante vivido. Seu tema estava nas ruas e na vitória do proletariado. Em suas “reservas poéticas” Maiakovski investia uma técnica elaboradíssima para obter, finalmente, a extraordinária estrutura desejada. Passou distante de qualquer possibilidade de vulgarização, mesmo nos tempos em que sua poesia foi essencialmente de propagação política. Interessante, também, é o registro da coerência de sua obra, presente do início ao fim.

Contudo, Maiakovski não foi completamente aceito (ou “assimilado”), fosse pelos intelectuais, membros do partido ou até mesmo pelos operários, para quem recitava pessoalmente suas poesias. A intelectualidade (e, principalmente, os editores) abominava o realismo exagerado, com palavrões e tudo o mais, que Maiakovski desejava levar a público. Sua exposição Vinte Anos de Atividades de Maiakovski foi boicotada) e os funcionários do partido reclamavam que o poeta fugia, às vezes, ao cumprimento do seu mandato. E os operários nem sempre entendiam o que ele dizia.

E nem poderia ter sido de outra maneira. Afinal, Maiakovski era um indivíduo, e como todo indivíduo vivia em subjetividade, não obstante a ênfase maior do seu viver fosse dirigida à sociedade. Portanto, além de não agradar a muitos devido a sua rebeldia, seu comportamento ideológico de esquerda e suas tendências excessivamente inovadoras (a chamada “arte de esquerda”, que por sua vez opunha-se à ideologia revolucionária), também não obteve muita compreensão como ser humano.

A maior parte do que se sabe  de Maiakovski é a de que ele “foi um poeta da revolução russa”, e esta imagem foi tão distorcida com o passar dos tempos que  chegou ao ponto dele ser tido como mero decorador de campanha política, um sujeito que fabricou um manual que ensinava a fazer versos engajadinhos no processo revolucionário. Daí também se originou grande parte da literatura “mal-engajada”, que passou a ser produzida no mundo todo.

Sem dúvida  Maiakovski pretendia uma poesia de massa, e muito assim o fez, com toda a força e energia que dispunha. Mas o fez lucidamente, obreiramente, profissionalmente, quiçá sinceramente. “Eu sou uma fábrica”, disse ele. E ele foi, de fato, um operário da palavra e não um produto de um certo meio e certa contingência histórica. Fez um discurso prático e não estético; foi útil e não usado; declamou, não reclamou. Em suma, foi um homem de realidade nua e crua e não dos costumes e das modas, ainda que tivesse tudo para ser um mito (inclusive uma bela constituição física).

O OUTRO LADO DA VIDA DE MAIAKOVSKI

 Três mulheres em sua vida: Lilia Brik, Veronika (Nora) Polônskaia e Tatiana Iácovlieva. Quis casar com Tatiana, uma russa branca, mas não o fez. Também quis casar com Nora, mas ela não aceitou. Viveu com Lilia e com o marido dela, caso que estarreceu a sociedade e que foi batizado, ocidentalmente, de ménage à trois e, pela própria Lilia, de “uma ideologia amorosa”, fundamentada no livro de Tchernichévski – Que fazer? – que pregava a não-possessividade entre marido e mulher.

 O caso teria acontecido mais ou menos assim, como narrado no livro I LOVE , the story of Vladimir Maikaovski and Lilia Brik, de autoria dos norte-americanos Ann e Samuel Carters, que passaram sete anos na Rússia bisbilhotando tudo a respeito desse outro lado da vida do poeta: Lilia era casada com Ossip Brik, crítico literário, e ambos vieram a conhecer Maiakovski quando este procurava um quarto para alugar. Passando a morar com o casal, os três tornaram-se muito amigos. Lilia e Maiakovski apaixonaram-se um pelo outro. Contaram a Ossip, que não viu motivos para deixar a casa. E continuaram a viver os três sob o mesmo teto.

 Lilia foi “a mulher” na vida de Maiakovski, aquela para quem ele ofereceu poemas, aquela que recebeu o que viria a ser conhecido como “poema concreto”: um anel, gravado  com as iniciais de seu nome – L I UB – que, ordenadas de forma circular, formavam a palavra LIUBLIU (AMO).

Em julho de 1972, Lilia Brik concedeu entrevista ao brasileiro Boris Schnaiderman, em sua residência perto de Moscou. Lilia garante que não tinha mais nada com Ossip Brik quando começou relacionar-se com Maiakovski. Quando desta visita de Boris, Lilia já estava casada  há quarenta anos com V.A. Katanian, também amigo de Maiakovski, e ambos sempre se dedicaram a estudar e divulgar a obra do poeta. Em 1978, aos 86 anos, Lilia suicidou-se.

A OBRA DE MAIAKOVSKI

Come ananás,

mastiga perdiz.

Teu dia está prestes, burguês.

 Seu primeiro poema publicado (1912) foi  A nuvem de cuecas, um escândalo público. Os mais significativos em relação ao processo revolucionário foram OKTIABR (Outubro), Vladimir Ilitch Lênin, Cento e Cinqüenta Milhões e Come Ananás, embora quase todos manifestassem, de uma ou outra forma, seu objetivo revolucionário. Lilitchka – Em lugar de uma carta, e Amo (o poema concreto no anel), expressam seu lirismo, mesmo que oculto na agressividade e amargura das imagens convocadas e da linguagem sempre usual.

Seu poema mais famoso é À Sierguei Iessiênin – o poeta dos camponeses russos. Iessiênin suicidou-se, cortando os pulsos num quarto de hotel, em Leningrado. Espantosamente, o suicídio de Iessiênin fez com que Maiakovski escrevesse estes versos: “Até logo, até logo, companheiro, / Guardo-te no meu peito e te asseguro: / O nosso afastamento passageiro/ É sinal de um encontro no futuro. / Adeus, amigo, sem mãos nem palavras. / Não faças um sobrolho pensativo. / Se morrer, nesta vida, não é novo, / Tampouco há novidade em estar vivo”. (Tradução de Augusto de Campos)

Uma de suas obras-primas é seu último poema, A plenos pulmões (Vo ves’golos), escrito poucos meses antes de suicidar-se. Mas sua obra é mais, é maior, vai além da poesia e da prosa. Escreveu peças teatrais (Mistério Bufo, O percevejo e Os banhos), fez vários roteiros para cinema, um ensaio teórico (Como fazer versos). E foi, também, um ótimo artista gráfico – desenhava, fazia  ilustrações e cartazes. E, sobretudo, soube usar bem de todos os meios de comunicação disponíveis para divulgar sua arte.

 A casa em que nasceu Maiakovski transformou-se em museu e nela estão reunidos mais de 1500 objetos e pertences pessoais do poeta. No nonagésimo aniversário de seu nascimento, em 1993, foi publicada na então União Soviética a compilação literária “Tradições de Maiakovski hoje e hoje”. Também foram gravados discos com recitais do poeta e depoimentos de pessoas que o conheceram. A influência da poesia de Maiakovski é muito acentuada na poesia de vanguarda mundial. No Brasil, as melhores traduções de seus poemas, por Emílio Carrera Guerra,  foram publicadas em 1963, mas deve-se, sobretudo, aos irmãos Campos e à Boris Schnaiderman,  a apresentação de a maior parte da obra de Maiakovski (em 1968). Dentre elas, destacamos A poética de Maiakovski através de sua prosa (Ed. Perspectiva, 1971); Maiakovski e o teatro de vanguarda, Ed. Perspectiva, (1971);  o famoso  livreto Como fazer versos (Ed. Global, 1977); A operação do texto, Ed. Perspectiva, 1976;   Maiakovski – Poemas (Ed. Perspectiva, 1982).

MAIAKOVSKI EM SEU TEMPO

 1893. Nasce, no dia 7 de julho, pelo calendário gregoriano em vigor na Rússia, no povoado de Bagdádi (hoje Maiakovski), na República Soviética de Geórgia, na Transcaucásia, Vladimir Vladimirovitch Maiakovski, filho de Vladimir Constantinovich, guarda florestal, e de Aleksandra Aleksiévna.

1905. No mês de janeiro, um domingo sangrento: uma multidão desarmada se posta frente ao Palácio de Inverno, em uma manifestação pacífica que pedia reformas políticas, tais como anistia e liberdade civil para todos, liberdade de imprensa, de expressão da palavra e da consciência, respeito aos direitos civis dos cidadãos e à inviolabilidade do domicílio. O czar não estava e os guardas do palácio deram a ordem do massacre. Os soldados dispararam contra a multidão, matando cerca de mil pessoas.  Esse episódio marcou o início do processo revolucionário russo.

1906. Morre o pai de Maikavoski e este muda-se com a mãe e as duas irmãs para Moscou, onde cursa o ginásio e lê Hegel e Marx. Aos 15 anos entra para o partido bolchevista. Começa a fazer propaganda política, o que lhe vale a primeira prisão. Na terceira vez em que é preso é condenado a quase um ano de reclusão no cárcere de Butirki, onde lê Shakespeare, Byron, Tolstoi e Dostoievski.

1911. Ao sair da prisão entra para a Escola de Belas Artes (de onde foi expulso em 1914) e, logo depois, passa a integrar o grupo cubo-futurista, ao mesmo tempo em que escreve seus primeiros poemas. Muda-se para Petrogrado, onde conhece poetas e escritores de vanguarda, e também aquela que foi sua maior paixão, Lilia Brik.

1916. A Rússia enfrenta sérios problemas econômicos, falta de mão-de-obra, de alimentos e de munições para os soldados que deveriam ir para os campos de batalha – o país havia entrado na Primeira Guerra Mundial, apesar de toda a sua crise interna.

1917. A Revolução de Outubro, a guerra civil. Maiakovski era um dos futuristas que apoiavam entusiasticamente a revolução. E por ela continuou a escrever seus versos poético-ideológicos sobre o cotidiano do próprio momento histórico, a criar cartazes, legendas e panfletos para a causa proletária. Em 1922 ele viaja a Paris e Berlin. Funda a revista Frente de Esquerda, juntamente com outros artistas do movimento. Percorre todo o país fazendo palestras e lendo seus poemas para imensas platéias populares. Em 1925 viaja outra vez, desta feita para o México e Estados Unidos da América. Volta a Moscou  e entra para a Associação Russa dos Escritores Proletários.

1930.  Escreve seu último poema, A plenos pulmões. Na manhã de 4 de abril, Maiakovski, então com 36 anos, após ter passado a noite com Nora Polônskaia, tem com ela uma grande discussão. Nora resolve ir embora, mas antes que chegasse à porta do prédio, na Travessa Lubiânski, ouviu o tiro que Maiakovski se deu, com a mão esquerda, no coração.

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