Todo dia é dia de sabedoria popular, de crenças, superstições, ditados, lendas, ritos, maldições,tabus, rezas, histórias e mitos.Todo dia é dia de artesanato, música, teatro e literatura populares, festas e jogos tradicionais, dança e cantigas de roda. Todos os dias são talismãs e amuletos.
Os dias são folclóricos, e o folclore brasileiro é rico em crendices e manifestações, em usos e costumes, em histórias que correm de boca em boca, que passam de pai pra filho, pulam fronteiras, mudam de cor, de gesto, de palavra, aumentam um ponto, sobrevivem sempre. O povo canta, dança, reza e maldiz, trava a língua, cura e enterra e faz versos, faz repente, embolada, ligeira, desafio, literatura de cordel.
E esse folclore, que é tudo quanto o povo faz, pensa, sente, sofre, aprende, muitas vezes é suplica nos olhos, mímica de esmolador, reza pra aplacar a seca, dança pra fazer chover, feitiço da pedra em pão, poesia de chamar a atenção. No solo ou no desafio, uma voz são muitas vozes. Que folclore é a voz do povo que é a voz de Deus, num solo ou num desafio. Como neste canto de Patativa do Assaré:
SEU DOTÔ ME CONHECE?
Seu dotô, só me parece
Que o sinhô não me conhece
Nunca sôbe quem sou eu
Nunca viu minha paioça,
Minha muié, minha roça,
E os fio que Deus me deu.
Se não sabe, escute agora,
Que eu vô contá minha história,
Tenha a bondade de ouvi:
Eu sou da crasse matuta,
Da crasse que não desfruta
Das riqueza do Brasil.
Sou aquele que conhece
As privação que padece
O mais pobre camponês;
Tenho passado na vida
De cinco mês em seguida
Sem comê carne uma vez.
Sou o que durante a semana,
Cumprindo a sina tirana,
Na grande labutação
Pra sustentá a famia
Só tem direito a dois dia
O resto é pra o patrão.
Sou o que no tempo da guerra
Contra o gosto se desterra
Pra nunca mais vortá
E vai morrê no estrangêro
Como pobre brasilêro
Longe do torrão natá.
Sou o sertanejo que cansa
De votá, com esperança
Do Brasil ficá mió;
Mas o Brasil continua
Na cantiga da perua
Que é: pió, pió, pió…
Sou o mendigo sem sossego
Que por não achá emprego
Se vê forçado a seguí
Sem direção e sem norte,
Envergonhado da sorte,
De porta em porta a pedí.
Sou aquele desgraçado,
Que nos ano atravessado
Vai batê no Maranhão,
Sujeito a todo o matrato,
Bicho de pé, carrapato,
E os ataques de sezão.
Senhô dotô , não se enfade
Vá guardando essa verdade
Na memória, pode crê
Que sou aquele operário
Que ganha um nobre salário
Que não dá nem pra comê
Sou ele todo, em carne e osso,
Muitas vez, não tenho armoço
Nem também o que jantá;
Eu sou aquele rocêro,
Sem camisa e sem dinhêro,
Cantado por Juvená.
Sim, por Juvená Galeno,
O poeta, aquele geno,
O maió dos trovadô,
Aquele coração nobre
Que a minha vida de pobre
Muito sentido cantou.
Há mais de cem ano eu vivo
Nesta vida de cativo
E a potreção não chegou;
Sofro munto e corro estreito,
Inda tou do mermo jeito
Que Juvená me deixou.
Sofrendo a mesma sentença
Tou quase perdendo a crença,
E pra ninguém se enganá
Vou deixá o meu nome aqui:
Eu sou fio do Brasil,
E o meu nome é Ceará.
O poeta popular Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva) nasceu em Assaré, Ceará, em março de 1909. Aos 12 anos freqüentou por seis meses a única escola de sua vida e aos 16 comprou uma viola e pôs-se a cantar. Faleceu em 8 de julho de 2002, aos 93 anos, em Serra de Santana, Assaré, sua terra natal.
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